Os estudos direcionados à realidade amazônica são maximizados com o Pacto Amazônico, considerando-se que os temas do Tratado refletem as necessidades mais imediatas da região, a exigir tratamento jurídico especializado: direito ecológico; direito agrário; direito indígena; direito minerário; direito da navegação (fluvial); direito do comércio exterior; e, direito comunitário. Dai a denominação direito amazônico. Interpretar e aplicar o direito de acordo com o contexto regional.

quinta-feira, julho 31, 2008

Ambiental

Foi suspensa, pela 2ª Câmara de Direito Público do TJSC, liminar
deferida pelo juiz da Comarca de Santo Amaro da Imperatriz que
interditava um imóvel situado nas proximidades do Parque Estadual da
Serra do Tabuleiro.
A ocupação fica permitida até que se confirme a
ocorrência de danos ambientais. O relator do processo, desembargador
Cid Goulart, explicou que a medida deferida pelo juízo de primeira
instância não levou em consideração o fato de que no imóvel trabalham
dois cidadãos, que dependem dele para sobreviver, mesma situação do
dono do estabelecimento.
"Caso seja mantida a liminar, essas pessoas
humildes terão obrigatoriamente que deixar o local com um filho menor,
na condição de desempregados e sem moradia", afirmou o magistrado,
concluindo que não fora observado o fundamento constitucional da
dignidade da pessoa humana.
Outro ponto observado pelo desembargador
foi a declaração expedida pela Fundação do Meio Ambiente (FATMA), onde
está registrado que o imóvel se encontra fora dos limites da unidade de
conservação estadual.
O MP havia ajuizado a ação denunciando a prática
de desmatamento da Mata Atlântica, terraplanagem, nivelamento de solo e
abertura de três açudes sem licença ambiental.

(Informações colhidas no Agravo de Instrumento nº. 2007.019217-7).

Indígena / Minerário

Entidade yanomami elabora carta à sociedade alertando para riscos.

Da Redação


Em fevereiro deste ano, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) elaborou uma carta aberta à sociedade alertando para os riscos da atividade de mineração nas aldeias indígenas. No documento, a entidade ressaltou que a “mineração não é como o garimpo, não são pessoas que entram na floresta e degradam apenas algumas regiões, ela precisa de estradas para transportar os minérios, precisa de grandes áreas para guardar a produção, de locais para alojar os funcionários e fará grandes buracos na terra que não deixarão a nossa floresta voltar a se recuperar”.

A HAY afirmou ainda que sabia muito bem a diferença entre atividade garimpeira e a mineração industrial. “Entendemos como as mineradoras atuam, não pensem que confundimos seu trabalho com o dos garimpos. Morremos muito na época do garimpo ilegal em nossa terra. Sabemos que as mineradoras vão precisar de energia para funcionar. De onde virá essa energia para fazer as máquinas funcionarem? Como transportarão os minérios? Quando os minérios mais valiosos terminarem e as mineradoras forem embora, o que acontecerá com os trabalhadores que foram até a terra indígena? Quando transformarem e produzirem minério, quais são os resíduos que podem contaminar nossa terra por muito tempo?”, questionamentos contidos na carta.

A associação disse ainda que tinha conhecimento de que havia “muitos interesses” trabalhando para liberar a mineração em terras indígenas. “São interesses de quem tem muito dinheiro. Nós sabemos que não querem nos ajudar. Eles dizem apenas que querem nos ajudar, que farão escola, darão assistência à saúde, darão luz, mas sabemos que por trás dessas palavras está o desejo de fazerem crescer seu dinheiro. Eles podem enganar outras pessoas, mas não nos enganam. Nós, yanomami, não queremos mineração, não queremos que ela seja feita em nossa terra”, conforme trecho da carta.

A entidade concluiu dizendo que se os brancos mostrassem um lugar onde os povos indígenas vivem realmente bem com a mineração, “um lugar onde vivem com saúde, respeito à cultura, onde os brancos os ajudem de forma correta e não os enganem ao dar dinheiro, onde não passem fome e onde não passem sede, se virmos esse lugar, do mesmo tamanho que nossa terra-floresta, podemos voltar a discutir esse assunto”.

(Fonte: Jornal Folha de Boa Vista, de 31 de julho de 2008).

Minerário / Indígena

Especialistas defendem mineração em terras indígenas.

Da Redação


A mineração em terras indígenas seria uma oportunidade importante para a melhoria de vida nas aldeias, tornando-as auto-suficientes e livres da dependência de liberação de recursos do Governo Federal, além de evitar que o meio ambiente dessas áreas fosse devastado, uma vez que a extração industrial de minérios recebe acompanhamento de equipes especializadas tanto na questão ambiental, quanto em mineração.

Esta idéia foi defendida na semana passada por vários especialistas no assunto, durante a realização da Conferência Internacional sobre Empreendedorismo Indígena nas Américas, promovida no Centro Cultural Povos da Amazônia, em Manaus (AM).

Com mais de 300 participantes de todo o Brasil e de países como Nova Zelândia, Equador, Canadá, México, Estados Unidos, Gana, Colômbia, Peru, Venezuela e França, o evento debateu o empreendedorismo, os negócios sustentáveis para as aldeias, o aproveitamento do conhecimento tradicional dos índios, desenvolvimento econômico e as tendências para as áreas indígenas no Brasil e no mundo, além dos desafios e oportunidades para as comunidades indígenas brasileiras.

Pesquisadores, ambientalistas, acadêmicos, lideranças indígenas, especialistas e representantes da Polícia Federal e do Exército também acompanharam as apresentações sobre as experiências voltadas para o empreendedorismo nas aldeias realizadas no Brasil e em outros países.

A exploração mineral em áreas indígenas foi um dos assuntos mais debatidos na conferência. Na opinião dos especialistas, um dos grandes entraves para que o assunto continue na sombra é o desconhecimento. A professora, pesquisadora e mestre em Exploração Mineral pela Universidade Internacional da Espanha, Hariessa Cristina Villas Boas, explicou que ainda há muita desinformação sobre a questão e que tanto os índios quanto a própria comunidade confundem o processo de mineração industrial com a atividade do garimpo, que é proibido em terras indígenas. Já a mineração industrial é permitida desde que autorizada pelo Congresso Nacional, segundo a pesquisadora.

“O que eles conhecem é o garimpo que é diferente da mineração industrial, que é uma atividade que envolve projetos, existe todo um trabalho de acompanhamento, de pesquisa do solo, de impacto ambiental, normalmente é construída uma infra-estrutura para realizar o beneficiamento do minério extraído, também já existem tecnologias consideradas limpas, que não são degradantes e que já são utilizadas pela mineração industrial. Já o garimpo é ainda uma atividade rudimentar e com um poder de destruição ambiental bem maior do que a primeira porque normalmente não possui nenhum tipo de acompanhamento técnico e o manejo é feito de forma desenfreada, provocando danos ambientais”, explicou Hariessa.

Mas os índios estão buscando informações sobre o assunto, de acordo com a pesquisadora. “Eles estão ávidos pelo assunto. Agora, como essas informações são levadas e apresentadas às comunidades pelas pessoas que representam os índios, não se sabe ao certo”, acrescentou.

Apesar da complexidade do tema, Hariessa garantiu que é possível conciliar mineração com desenvolvimento sustentável. “A mineração já trabalha com várias tecnologias não-degradantes e também há uma série de elementos que podem controlar ou monitorar a questão ambiental, verificando os impactos na natureza, além de que existe uma legislação a esse respeito. Mesmo vivendo um paradigma envolvendo meio ambiente, sociedade, sobrevivência, desenvolvimento e tecnologia, quando se discute esse tema não se pode falar em extremos, nem ser radical e nem democrático demais”, ressaltou.

Outro ponto destacado pela pesquisadora é a importância da análise da dimensão social da mineração nas aldeias. “É preciso verificar a situação das pessoas que estão inseridas na região com potencial mineral, levando em consideração como elas vão se sustentar quando chegar a mineração e depois quando esta atividade for encerrada, como ficarão, o que poderão fazer e de onde vão retirar o seu sustento. Tudo isso precisa ser pensado e discutido com os próprios índios”.

POTENCIAL - A Amazônia possui um grande potencial mineral, principalmente quando se fala em ouro, diamante e pedras semi-preciosas, segundo o diretor-presidente da Fundação dos Povos Indígenas do Amazonas, Bonifácio José Baniwa, um dos palestrantes da conferência.

O diretor explicou que alguns índios têm medo da mineração e outros vêem como uma oportunidade de desenvolvimento, de melhoria de vida nas aldeias e de auto-sustentabilidade. “Existem aqueles que não querem a exploração nas suas terras, mas tem aldeias que querem trabalhar com isso e poderiam ser ajudadas pelo governo. Mas o grande problema mesmo é que o assunto ainda não está claro para os índios e a desinformação atrapalha porque não se chega a nenhuma solução”, assinalou.

Baniwa citou o exemplo do Canadá, onde os índios fecharam um contrato com uma empresa de mineração. Por meio do documento, ficou estabelecido que os não-índios só entrariam na terra indígena para trabalhar depois que fossem treinados e entendessem os costumes dos índios. “Foi uma maneira encontrada para que houvesse respeito às tradições, à cultura e costumes dos índios. A empresa mineradora também pode treinar os indígenas que querem trabalhar na extração de minérios dentro de sua terra. Esse é o modelo que queremos adotar aqui”, frisou Baniwa, lembrando que já existe um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional onde condiciona a exploração mineral em terras indígenas realizada pelos próprios índios.

(Fonte: Jornal Folha de Boa Vista, de 31 de julho de 2008).

quarta-feira, julho 30, 2008

Agrário / Fundiário

Região Sul de Roraima volta a discutir Plano Territorial de Ações Integradas.

Da Redação

Os integrantes do Colegiado Territorial do Sul de Roraima voltam a discutir hoje o Plano Territorial de Ações Integradas do Território. O encontro, iniciado no dia 21, no Sesc de São João da Baliza, município localizado a 313 quilômetros de Boa Vista, foi suspenso em decorrência da morte do gerente da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) em Roraima, Danilo Aguiar, que participaria do evento.

Durante o encontro, que será encerrado amanhã, a delegada do Ministério do Desenvolvimento Agrário em Roraima (MDA/RR), Célia Souza, vai dar continuidade à apresentação das ações do Plano Territorial, elaborado após avaliação pelo Colegiado Territorial da matriz de ações apresentada pelo Governo Federal. O documento foi definido também com base nas demandas apresentadas e avaliadas pelo Comitê Gestor Nacional. O Colegiado é formado por representantes do poder público e da sociedade civil.

O Plano Territorial do Sul de Roraima é composto por 48 ações nas áreas de direitos e desenvolvimento social, organização sustentável da produção, saúde, saneamento e acesso à água, educação e cultura, infra-estrutura e apoio à gestão territorial. Ao longo de 2008, serão investidos R$ 70,6 milhões, nos municípios de Caroebe, São Luiz do Anauá, São João da Baliza e Rorainópolis. O valor representa um acréscimo de R$ 2,9 milhões em relação aos R$ 67,7 milhões de investimentos previstos no lançamento do programa, em fevereiro deste ano.

O PROGRAMA - O Territórios da Cidadania é uma estratégia de desenvolvimento regional e de garantia dos direitos sociais do Governo Federal realizada em parceria com estados, municípios e a sociedade que envolve a atuação integrada de 19 ministérios. Nos 60 territórios atendidos nesta etapa em todo o país, o volume de investimentos é da ordem de R$ 12,9 bilhões.

Os territórios foram definidos com base em critérios como o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), reduzido dinamismo econômico, número de assentamentos da reforma agrária, de agricultores familiares, de famílias de pescadores, de quilombolas, de terras indígenas e beneficiários do Bolsa Família.

(Fonte: Jornal Folha de Boa Vista, de 30 de julho de 2008).

Indígena

RAPOSA SERRA DO SOL - Entidades divergem sobre o Exército


Exército vai instalar mais unidades permanentes nas terras indígenas em faixa de fronteira.

EDJANE MATHIAS

As duas entidades ligadas às causas indígenas em Roraima, Conselho Indígena de Roraima (CIR) e Sociedade de Defesa dos Índios do Norte de Roraima (Sodiurr), informaram ontem à Folha que não são contra a presença do Exército nas áreas de reserva, como prevê o Decreto 6513, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia 22 de julho.

De acordo com o membro da Sodiurr, tuxaua Avelino Pereira, a presença do Exército é até “mais bem-vinda” que a da Polícia Federal e Força Nacional, como tem ocorrido atualmente. Avelino afirma que de todas as vezes que o Exército precisou estar na área Raposa Serra do Sol, onde hoje está localizada boa parte das comunidades ligadas a Sodiurr, demonstrou muito mais respeito pelas comunidades.

“Hoje a presença da Polícia Federal e da Força Nacional só tem nos trazido constrangimento. É muito comum a Força Nacional sair revirando bolsas dos indígenas, tratando todo mundo com ignorância, sem fazer distinção de quem está bebendo ou não, entre muitos outros incômodos. Isso não é direito, porque se eles querem respeito também precisam respeitar nossas áreas. Eles estão lá, mas a reserva é nossa casa e na nossa casa nós queremos respeito”, ressaltou.

O tuxaua explicou que, depois de sete anos da implantação do Quartel do Exército na região, muitas famílias da comunidade já têm parentes que ingressaram no serviço militar. “Muitos de nossos primos ou sobrinhos estão no Quartel. Colocamos nossos filhos para estudar, para fazer faculdade, para que eles também possam ser médicos, doutores em diversas áreas, até ingressar no Exército e chegarem a ser coronéis e até mesmo generais. As pessoas têm que começar a ver as comunidades indígenas com outros olhos. Essa coisa de que tem que manter as comunidades como estão para preservar a cultura indígena é conversa. Nós queremos o progresso. Nós queremos um futuro muito melhor para os nossos filhos e futuras gerações. Isso já acontece na maioria das comunidades, nem por isso nós deixamos de cumprir nossos rituais ou as atividades que estão ligadas às nossas origens”, disse.

Avelino Pereira afirmou que vê como importante a presença do Exército até como forma de manter a segurança nas fronteiras, o que conseqüentemente representa mais segurança para as próprias comunidades. Segundo ele, no tempo em que o Quartel do Exército está instalado na região não se registrou conflitos entre os indígenas e a base militar. “Claro que temos casos isolados de membros da comunidade que são contra a presença do homem branco na região alegarem que a presença do Exército representa o atentado contra nossas filhas. Mas a coisa não é bem assim. O fato de não aceitarem a presença deles na região é a mesma coisa que ser contra o Brasil. Acima de tudo, eu me considero brasileiro. Indígena, mas brasileiro, e como brasileiros nós acreditamos que o Exército deve estar presente. Antes ele do que essas Organizações Não Governamentais que se infiltram em nossas áreas”, enfatizou.

O coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza, afirmou que a entidade também não é contra a presença do Exército na região porque sabe da importância do trabalho dele em salvaguardar as áreas de fronteiras. No entanto, ele ressaltou que essa presença deve ser limitada às regiões de fronteira, evitando-se a permanências dentro das comunidades indígenas.

“Nós não concordamos com a presença deles dentro das áreas das comunidades. Não queremos eles instalados dentro das aldeias. Evitando isso, nós também estaremos buscando evitar que nossas comunidades passem novamente pela situação de ter soldados emprenhando nossas mulheres das aldeias e não assumindo os filhos, deixando mãe e criança jogadas como se fossem cachorros sem dono. Quando for definida essa presença do Exército nas áreas de reservas indígenas, é bom que ela seja bem planejada para não atrapalhar a vida normal nas comunidades”, afirmou Dionito.

O coordenador do CIR lembra que é necessário que se verifique quem serão os enviados para que não ocorram outros problemas, como a chegada de pessoas que possam ter envolvimento com o tráfico de drogas. “Que venham realmente homens que vão para a faixa de fronteira vigiar, fiscalizar. Porque hoje não dá mais para aceitar o que jogam para cima da gente, sempre com as justificativas de que é para o bem das comunidades. Nós temos muitas preocupações e não queremos que as comunidades sejam caminho para prática de crimes”, disse.

Ele se refere às críticas de militares e políticos sobre a suposta infiltração de guerrilheiros, traficantes e outros nas reservas, motivo que teria levado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a assinar o decreto na semana passada.

(Fonte: Jornal Folha de Boa Vista, de 30 de julho de 2008).

Indígena

A presença do Exército em área indígena.

O Decreto nº 6.513 de 22 de julho de 2008, alterou o Decreto no 4.412, de 7 de outubro de 2002, que dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas, e dá outras providências.

De acordo com o decreto, o Comando do Exército deverá instalar unidades militares permanentes, além das já existentes, nas terras indígenas situadas em faixa de fronteira, conforme plano de trabalho elaborado pelo Comando do Exército e submetido pelo Ministério da Defesa à aprovação do presidente da República.

Para a instalação das unidades militares o Ministério da Defesa deverá apresentar plano inicial de trabalho, elaborado pelo Comando do Exército, à Presidência da República, no prazo de noventa dias a contar da publicação do Decreto 6.513. Após a aprovação do plano inicial de trabalho pelo presidente, será feito o sucessivo detalhamento dos recursos orçamentários e financeiros pertinentes, assim como serão adotadas as medidas necessárias ao início da sua execução.

Indígena

Raposa Serra do Sol: um lugar de direito.

Marina Silva *

É muito especial para mim estrear no território dos internautas, por meio de “Terra Magazine”, a quem agradeço pela oportunidade. Espero dedicá-la a um bom diálogo com as críticas e idéias de todos vocês.

Também é especial por acontecer num momento novo, no Brasil e no mundo, que exige conhecimento, sensibilidade e intuição para identificar, na massa impressionante de informações que nos chega, a profundidade dos fatos e processos, a conexão entre passado e futuro, enfim, o nosso espaço de escolhas reais, sejam individuais ou coletivas.

Faz parte desse espaço uma interpelação ética da qual não podem fugir nem os países desenvolvidos nem os em desenvolvimento, entre eles o Brasil. A Amazônia, com sua incomparável floresta tropical, sua biodiversidade e sua diversidade social, talvez seja o maior símbolo dessa interpelação. Para os países desenvolvidos, a pergunta que se faz é sobre seu passado. Destruíram sua biodiversidade, arrasaram os povos originários dos lugares conquistados e provocaram, a partir da revolução industrial, alterações ambientais tão extensas que levaram à atual crise ambiental global, em cujo centro estão as mudanças climáticas.

Embora pareça paradoxal, nossa situação é bem melhor porque somos questionados sobre o futuro. Quando somos perguntados sobre o passado, estamos diante do quase irremediável. Sobre o futuro, temos a chance de projetá-lo. Isso implica dizer o que vamos fazer com nossa biodiversidade, porque temos 20% das espécies vivas do planeta; com nossos recursos hídricos, porque temos 11% da água doce disponível, 80% dos quais na Amazônia; com a maior floresta tropical e com a maior diversidade cultural do mundo. O Brasil ainda tem cerca de 220 povos indígenas que falam mais de 200 línguas.

Essa é uma poderosa interpelação porque permite escolhas e, portanto, exige que estejamos à altura da oportunidade de optar. A discussão é de caráter civilizatório, não se esgota em circunstâncias ou polêmicas pontuais. O Brasil é uma potência ambiental e humana e não pode se conformar em querer, séculos depois, a mesma trajetória que fez dos países desenvolvidos, ricos, porém com graves desequilíbrios ambientais. Nossa meta deve ser: desenvolvidos, porém por meio de caminhos diferentes.

A diferença está, em primeiro lugar, em aceitar a interpelação ética a que me referi, sem tentar lhe dar respostas banais e evasivas. A falsa polêmica em torno da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, resume a radicalidade exigida por essa interpelação.

Como ministra do Meio Ambiente enfrentei, ao lado dos ministérios da Justiça e do Desenvolvimento Agrário, uma situação no Pará em que um grande grileiro apossou-se de 5 milhões de hectares na Terra do Meio. Conseguimos criar nessa área a maior estação ecológica do país, com 3 milhões e 800 mil hectares. Vi a Polícia Federal implodir 86 pistas clandestinas usadas para tráfico de drogas e roubo de madeira. E nunca ninguém disse que aquele grileiro era ameaça à soberania nacional.

Mas os 18 mil índios de Roraima são assim considerados por alguns e muitas vezes tratados como se fossem mais estrangeiros do que os estrangeiros, porque sequer são reconhecidos como seres humanos em pé de igualdade com os demais.

Um exemplo: o mundo ocidental tem em Jerusalém um ponto de referência do sagrado para inúmeras religiões de matriz judaico-cristã. Ficaríamos chocados se alguém quisesse destruí-la e a defenderíamos como algo que é constituinte essencial de nossa cosmovisão. No entanto, em relação à cosmovisão dos índios, acha-se pouco relevante considerarem o Monte Roraima o lugar da origem do mundo.

Pode parecer, para quem acompanha o caso de Raposa Serra do Sol, que a criação da reserva indígena foi um procedimento autoritário e injusto, que desconsiderou direitos dos não-índios. Não é verdade. A legislação brasileira define detalhadamente critérios para demarcação. O contraditório é garantido por decreto, exigindo que sejam anexados,

ouvidos e examinados os argumentos contrários. Manifestam-se proprietários de terra, grileiros, associações, sindicatos de trabalhadores ou patronais, prefeituras, órgãos públicos estaduais e federais, apresentando tudo o que considerem relevante. Por isso, a

demarcação física das áreas leva, em geral, muitos anos, o que elimina quaisquer possibilidades de açodamento.

Roraima tem cerca de 400 mil habitantes num território de cerca de 225 mil quilômetros quadrados. A população rural não chega a 90 mil pessoas, das quais 46 mil são ndígenas, ou seja, 52% do total, ocupando 47% das terras. Raposa Serra do Sol ocupa 7,7% da área do Estado e abriga 18 mil índios. Por outro lado, seis rizicultores ocupam 14 mil hectares em terras da União. Em maio último, o Ibama autuou a fazenda Depósito, do

prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero, por ter aterrado duas lagoas e nascentes, além de margens de rios, e por ter desmatado áreas destinadas à preservação permanente e à reserva natural legal.

Em 1992, quando foi homologada a reserva Ianomami, seis vezes maior do que a Raposa Serra do Sol, houve muito estardalhaço, alimentado pela acusação de que isso representaria ameaça à soberania nacional e grave risco de internacionalização da Amazônia. Passados 16 anos, a reserva abriga 15 mil índios em área de fronteira e não se tem notícia de que tenham causado qualquer dano à nossa soberania e muito menos que pretendam ser uma \"nação indígena\" separada do território brasileiro, como diziam à época os opositores da homologação.

Estamos perto da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação contínua de Raposa Serra do Sol. Será um grande desafio para a instituição e para todo o País, num momento que o mestre Boaventura de Souza Santos chama de bifurcação histórica. Diz ele que as decisões do STF condicionarão decisivamente o futuro do país, para o bem ou para o mal. Que esta decisão seja parte da resposta que devemos dar à interpelação ética sobre nosso futuro.

* Professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente.

terça-feira, julho 29, 2008

Agrário / Fundiário

Mudanças na regularização fundiária.

Da Redação

Foram anunciadas algumas mudanças relativas à questão fundiária, melhorias e benefícios nas propriedades rurais na Amazônia, a partir de matérias aprovadas no Senado e que aguardam sanção do presidente Lula da Silva (PT).

Entre as ações que estão sendo implementadas está a Medida Provisória 422, que aumenta a regularização fundiária na Amazônia de módulos rurais para até 1.500 hectares.

Outro beneficio na área se refere à aprovação da instrução normativa no Incra que vai facilitar e possibilitar a regularização fundiária dos lotes e das propriedades que já estão ocupadas. “Pela norma do Incra, na questão dos assentamentos, funcionários ou ex-funcionários públicos aposentados e empresários não poderiam receber a titulação, mas para o caso específico de Roraima e da Amazônia e, obedecendo essa temática de até 1.500 hectares, poderão ser repassados os títulos das terras a esses posseiros”, disse.

O senador Romero Jucá (PMDB/RR) afirmou que, desta forma, não haverá obstáculos para que estas pessoas possam receber o título da terra. “Não será um óbice um proprietário de terras ter algum outro tipo de condição, e essa mudança será fundamental para a regularização fundiária das terras no Estado em que estas pessoas já estão de posse destas terras há muitos anos”, disse.

Outro ponto destacado pelo senador, no bojo de todo o projeto de regularização de terras em Roraima, se refere a mais de 200 títulos do Incra que estão sendo liberados pelo Conselho de Segurança Nacional por serem áreas que ficam na faixa de fronteira e que devem ter o referendo do Conselho de Segurança. “Essa liberação está sendo providenciada no Palácio do Planalto e estamos trabalhando nesse processo para que seja liberado de forma rápida”, disse.

Para agilizar a entrega desses 200 títulos, ainda esta semana o senador estará se reunindo com o superintendente do Incra em Roraima, Titonho Beserra, para agendar a data da entrega destes títulos que correspondem a áreas de 500 a 1.500 hectares.

GOVERNO – Romero Jucá informou que já esteve reunido com o governador Anchieta Júnior (PSDB), com quem discutiu um cronograma que será levado para reunião em Brasília sobre o repasse de parte destas terras para o Estado.

“Estamos trabalhando em duas linhas para desentravar a situação fundiária do Estado: uma de titulação direta pelo Incra com os processos que já estão em tramitação naquele órgão; e outra pelo repasse de parte das terras para o Estado para que o governo possa titular diretamente através do Iteraima”, frisou.

O senador falou que a parceria entre o Incra está sendo definida e uma vez o cronograma elaborado ficará definido onde o Incra vai titular e a parte em que o Estado fará sua titulação.

“Vamos ter os dois segmentos trabalhando com o mesmo objetivo, que é fazer com que o produtor rural tenha o seu título definitivo e assim apresente as condições para os financiamentos necessários a fim de implementar uma agricultura empresarial com recursos do FNO e Basa, e assim fazer com que os recursos que vêm para serem aplicados em Roraima não sejam devolvidos, como acontece todos os anos porque não podiam ser aplicados”, frisou.

(Fonte: jornal Folha de Boa Vista, de 29 de julho de 2008).

Minerário

Especialistas defendem a mineração em terras indígenas

Acyane do Valle

MANAUS (AM) – A mineração em terras indígenas seria uma oportunidade importante para a melhoria de vida nas aldeias, tornando-as auto-suficientes e livres da dependência de liberação de recursos do governo federal, além de evitar que o meio ambiente dessas áreas fosse devastado, uma vez que a extração industrial de minérios recebe acompanhamento de equipes especializadas tanto na questão ambiental, quanto em mineração.

Esta idéia foi defendida na semana passada por vários especialistas no assunto, durante a realização da Conferência Internacional sobre Empreendedorismo Indígena nas Américas, promovida no Centro Cultural Povos da Amazônia, em Manaus.

Com mais de 300 participantes de todo o Brasil e de países como Nova Zelândia, Equador, Canadá, México, Estados Unidos, Gana, Colômbia, Peru, Venezuela e França, o evento debateu o empreendedorismo, os negócios sustentáveis para as aldeias, o aproveitamento do conhecimento tradicional dos índios, desenvolvimento econômico e as tendências para as áreas indígenas no Brasil e no mundo, além dos desafios e oportunidades para as comunidades indígenas brasileiras.

Pesquisadores, ambientalistas, acadêmicos, lideranças indígenas, especialistas e representantes da Polícia Federal e do Exército também acompanharam as apresentações sobre as experiências voltadas para o empreendedorismo nas aldeias realizadas no Brasil e em outros países.

A exploração mineral em áreas indígenas foi um dos assuntos mais debatidos na conferência. Na opinião dos especialistas, um dos grandes entraves para o assunto é o desconhecimento.

A professora, pesquisadora e mestre em Exploração Mineral pela Universidade Internacional da Espanha, Hariessa Cristina Villas Boas, explicou que ainda há muita desinformação sobre a questão e que tanto os índios quanto a própria comunidade confundem o processo de mineração industrial com a atividade do garimpo, que é proibida em terras indígenas. Já a mineração industrial é permitida desde que autorizada pelo Congresso Nacional, segundo a pesquisadora.

A Amazônia possui um grande potencial mineral, principalmente quando se fala em ouro, diamante e pedras semi-preciosas, segundo o diretor-presidente da Fundação dos Povos Indígenas do Amazonas, Bonifácio José Baniwa, um dos palestrantes da conferência.

O diretor explicou que alguns índios têm medo da mineração e outros vêem como uma oportunidade de desenvolvimento, de melhoria de vida nas aldeias e de auto-sustentabilidade. “Existem aqueles que não querem a exploração nas suas terras, mas tem aldeias que querem trabalhar com isso e poderiam ser ajudadas pelo governo. Mas o grande problema mesmo é que o assunto ainda não está claro para os índios e a desinformação atrapalha porque não se chega a nenhuma solução”, assinalou.

Baniwa citou o exemplo do Canadá, onde os índios fecharam um contrato com uma empresa de mineração. Por meio do documento, ficou estabelecido que os não-índios só entrariam na terra indígena para trabalhar depois que fossem treinados e entendessem os costumes dos índios. “Foi uma maneira encontrada para que houvesse respeito às tradições, à cultura e costumes dos índios. A empresa mineradora também pode treinar os indígenas que querem trabalhar na extração de minérios dentro de sua terra.

Esse é o modelo que queremos adotar aqui”, frisou Baniwa, lembrando que já existe um projeto de Lei tramitando no Congresso Nacional onde condiciona a exploração mineral em terras indígenas realizada pelos próprios índios.

Opinião contrária

Em fevereiro deste ano, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) elaborou uma carta aberta à sociedade alertando para os riscos da atividade de mineração nas aldeias indígenas. No documento, a entidade ressaltou que a “mineração não é como o garimpo, não são pessoas que entram na floresta e degradam apenas algumas regiões, ela precisa de estradas para transportar os minérios, precisa de grandes áreas para guardar a produção, de locais para alojar os funcionários e fará grandes buracos na terra que não deixarão a nossa floresta voltar a se recuperar”.

A HAY afirmou ainda que sabia muito bem a diferença entre atividade garimpeira e a mineração industrial. “Entendemos como as mineradoras atuam, não pensem que confundimos seu trabalho com o dos garimpos. Morremos muito na época do garimpo ilegal em nossa terra. Sabemos que as mineradoras vão precisar de energia para funcionar. De onde virá essa energia para fazer as máquinas funcionarem? Como transportarão os minérios? Quando os minérios mais valiosos terminarem e as mineradoras forem embora, o que acontecerá com os trabalhadores que foram até a terra indígena? Quando transformarem e produzirem minério, quais são os resíduos que podem contaminar nossa terra por muito tempo?”, questionamentos contidos na carta.

A associação disse ainda que tinha conhecimento de que havia “muitos interesses” trabalhando para liberar a mineração em terras indígenas. “São interesses de quem tem muito dinheiro. Nós sabemos que não querem nos ajudar. Eles dizem apenas que querem nos ajudar, que farão escola, darão assistência à saúde, darão luz, mas sabemos que por trás dessas palavras está o desejo de fazerem crescer seu dinheiro. Eles podem enganar outras pessoas, mas não nos enganam. Nós, Yanomami, não queremos mineração, não queremos que ela seja feita em nossa terra”, conforme trecho da carta.

A entidade concluiu dizendo que se os brancos mostrassem um lugar onde os povos indígenas vivem realmente bem com a mineração, “um lugar onde vivem com saúde, respeito à cultura, onde os brancos os ajudem de forma correta e não os enganem ao darem dinheiro, onde não passem fome e onde não passem sede, se virmos esse lugar, do mesmo tamanho que nossa terra-floresta, podemos voltar a discutir esse assunto”.

(Fonte: jornal Folha de Boa Vista, de 29 de julho de 2008).

quarta-feira, julho 23, 2008

Ambiental

Lula cria força de segurança para proteger floresta.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta terça-feira (22) dois decretos para reforçar o combate aos crimes ambientais. Num deles, foram criados a Guarda Nacional Ambiental e o Corpo de Guarda-Parques, que será composto por policiais militares e bombeiros. Outro decreto assinado pelo presidente regulamentou a lei de crimes ambientais, reduzindo os prazos para punição para quem praticar infrações contra o meio ambiente.


A Guarda Nacional será coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente e composta por integrantes da Polícia Federal, dos órgãos de segurança pública e de meio ambiente dos estados. Ela vai funcionar nos moldes da Força Nacional de Segurança, ou seja, seus agentes só se reunirão para operações determinadas. Essas ações serão informadas antecipadamente para os governadores e prefeitos das regiões que forem alvo.

O serviço de Guarda-Parques será formado por membros do corpo de bombeiros e da Polícia Militar e seus batalhões florestais e ambientais. Para a ativação do serviço, os governadores terão que assinar convênios com o governo federal para dar treinamento aos agentes. Os guarda-parques serão responsáveis pela prevenção, fiscalização e combate a incêndios florestais nas unidades de conservação.

O outro decreto assinado pelo presidente regulamenta a lei de crimes ambientais. Entre as mudanças está a redução dos prazos para recursos nos processos administrativos no Ibama e no Instituto Chico Mendes. Agora, quem comete crimes ambientais poderá recorrer apenas duas vezes pela via administrativa. Antes, havia possibilidade de quatro recursos. O Ibama avalia que será possível reduzir em mais da metade o tempo dos processos. Hoje, uma punição não sai em menos de quatro anos.

As multas também ficaram mais pesadas. Segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, hoje há uma “desmoralização” das multas aplicadas pelo Ibama, porque apenas 5% delas são efetivamente cobradas.

Minc comemorou a assinatura dos dois decretos. Segundo ele, as mudanças criam mais instrumentos para combater os crimes ambientais e abre a possibilidade de engajamento dos governos estaduais nessa tarefa. “Vai acabar a moleza de recorrer em quatro anos e reduzir para três ou quatro meses”, disse.

O ministro disse que os produtores que estiverem dentro da legalidade serão privilegiados pelo governo com financiamentos e incentivos. Porém, ele alertou que “quem quiser desafiar o poder democrático vai sentir a mão pesada do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama”, discursou Minc.

Os proprietários rurais serão obrigados a protocolar nos próximos 120 dias junto aos órgãos ambientais dos Estados a averbação da manutenção das reservas legais em suas terras. Quem não fizer será multado. Aqueles que já desmataram as áreas de reserva terão que assinar um termo de ajustamento de conduta para recuperá-las.

Nas regiões de mata atlântica, pelo menos 20% das propriedades precisam preservar a floresta original. No cerrado, esse percentual é de 35% da área total do imóvel. E na região da Amazônia Legal, 80% da floresta deve ser preservada.

segunda-feira, julho 21, 2008

Pesquisa

Cientistas pedem mais pesquisadores na Amazônia


Cientistas ligados à Academia Brasileira de Ciência vão pedir ao governo a adoção de medidas urgentes para garantir a fixação de pesquisadores na Amazônia. A idéia deles é ampliar o número pesquisadores doutores na Amazônia dos atuais 2.800 para 4.200 até 2011. Para os cientistas, a permanência dos pesquisadores é a principal armar para proteger a biodiversidade e as riquezas da Amazônia.

A proposta foi defendida durante a 60ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Campinas (SP), e já ganhou apoio nos meios políticos. Esta semana, a presidente da Comissão de Amazônia da Câmara, deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), disse que pedirá ao governo para colocar o projeto em prática.

sábado, julho 19, 2008

Indígena

A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA DEMARCAÇÃO DAS RESERVAS INDÍGENAS.

Luiz Fernando Menegais

Determina o art. 19 da Lei 6.001, de 1973 que, “as terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo”. Assim, conforme esse preceito legal as terras indígenas foram sempre demarcadas e interditadas através de decreto do Presidente da República (Amapá, Roraima, Amazonas, Goiás, Rondônia e Mato Grosso).

Mas, ocorre que o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) foi editado no regime da Constituição de 1969, que outorgava competência à União para legislar sobre a “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional” (art. 8º, XVII, o). Baseado nesse permissivo constitucional a Lei 6.001/73, foi dirigida direta e exclusivamente para de forma gradativa, concretizar o intuito de convívio harmônico entre índios e as comunidades civilizadas. E porque a Constituição então vigente (CF/1969) não exigia seja de forma implícita ou explícita, que aquela política indianista devesse ser alcançada através de demarcações discutidas e votadas pelo Congresso Nacional, as reservas indígenas foram sendo estabelecidas pela via do processo administrativo.

Com o advento da Constituição de 1988, a nova Carta Política trouxe à matéria tratamento diverso, estendendo, enormemente a competência legislativa para o trato da problemática do índio brasileiro.

Com efeito, enuncia o art. 22, XIV da Constituição Federal de 1988 que “compete privativamente à União legislar sobre populações indígenas”. A expressão, nada obstante curta em seu enunciado, adquire conteúdo jurídico extremamente abrangente, posto que, tudo aquilo que de qualquer forma possa interessar ao índio brasileiro, às populações indígenas, deve necessária e obrigatoriamente ser regulado através de Lei Federal, vinculando o Congresso Nacional à discussão de quaisquer aspectos que digam respeito a essas populações indígenas. É o que peremptoriamente determina a Constituição Federal.

Imprescindível, para concluir que a competência privativa é do Congresso Nacional, fazer-se um breve cotejo entre os artigos 8º, XVII, o, da Constituição de 1969 e o 22, XIV da Constituição vigente. Pois bem, quando o art. 8º, XVII, o, da Constituição de 1969 diz que a lei deverá dispor no sentido da incorporação do silvícola à comunidade nacional, compatível admitir que a demarcação efetuada administrativamente, não vai se afastar do que determina a lei, como previsto no texto constitucional [de 1969]. Presume-se, no caso, que o Poder Executivo ao demarcar determinada reserva observará tal qual determinado o dever de prestar ao índio a assistência necessária a sua integração.

Esta presunção, leva a inarredável conclusão de que, consoante o comando emergente o art. 8º, XVII, o, da Constituição de 1969, perfeitamente admissível que o art. 19 da Lei nº 6.001 de 1973, não teria afrontado, o permissivo constitucional, então vigente, com a intensidade que permitiria um confronto indispensável de inconstitucionalidade.

O mesmo não se pode dizer quando o art. 22, XIV, da vigente Constituição Federal determina que compete privativamente à União legislar sobre populações indígenas. Aqui a, competência é privativa do Congresso Nacional, sem admitir qualquer sofisma. Trata-se, pois, de competência legislativa exclusiva. Competência essa que é repetida no art. 231 quando preceitua que: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Importante destacar que, quando o legislador constituinte diz que a competência legislativa é privativa significa dizer que tal competência é, por sua natureza, exclusiva e unicamente exercida pelo titular dessa competência.

Ademais, o § 5º do art. 231 da Constituição Federal de 1988, prescreve que: “É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantindo, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”.

Vê-se, do permissivo constitucional citado que, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do País, e após deliberação do Congresso Nacional, poderá ser demarcada uma reserva substituta sendo essa a conseqüência natural e lógica da remoção proibida.

Ora, se o Presidente da República não pode demarcar aos índios uma reserva substituta, não poderá também demarcar-lhes a área original, posto que, os valores em cotejo, são rigorosamente idênticos.

Se não bastasse, há uma outra razão, que impõe, a audiência do Congresso Nacional, agora para o caso das reservas que se situam em faixa de fronteira.

Mas antes de seguirmos adiante, importante citar o pensamento do então Ministro do Supremo Tribunal Federal Cordeiro Guerra, já preocupado à época, com o que estamos a vivenciar hoje, isto é, um entendimento ampliado, do que seja terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (art. 231, da CF/88).

Segue fragmentos do voto do saudoso Ministro proferido no Pleno do Excelso Supremo Tribunal Federal, onde sua Excelência demonstrava então enorme preocupação, com possível entendimento ampliado do art. 198, da Emenda Constitucional nº 1, de 1969:

“(...) estou de acordo com o eminente relator, mas desejo explicitar a minha apreensão, em face do art. 198, § § 1º e 2º, da Constituição Federal. Creio que esses artigos ainda nos darão muito trabalho, porque, a serem interpretados na sua literalidade, teriam estabelecido o confisco da propriedade privada neste País, nas zonas rurais, bastando que a autoridade administrativa dissesse que as terras foram, algum dia, ocupadas por silvícolas.

Ora, nós somos um País de imigração, um País continental, em que o homem civilizado abre caminho para a criação do seu império. Isto se fez sempre, através da História, à custa do aborígene não só no Brasil, como na América do Norte, na Austrália, na África, na Sibéria, em qualquer parte do mundo.

O que está dito no art. 198 é mais ou menos o que está dito no art. 1º do primeiro decreto bolchevique: ‘FICA ABOLIDA A PROPRIEDADE PRIVADA. REVOGAM-SE AS DISPOSIÇÕES EM CONTRÁRIO’. Isto entra em choque, evidentemente, com o art. 153, § 22, da Constituição Federal, que assegura a propriedade privada. O Código Civil assegura a posse. De modo que toda essa legislação tem de ser interpretada com muito cuidado. Diz-se no § 1º do art. 198:

‘Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou ocupação de terras habitadas pelos silvícolas’.

No meu entender, isto só pode ser aplicado nos casos em que as terras sejam efetivamente habitadas pelos silvícolas, pois, de outro modo nós poderíamos até confiscar todas as terras de Copacabana ou Jacarepaguá, porque já foram ocupadas pelos Tamoios. Diz ainda o caput do art. 198:

‘As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos em que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades nelas existentes’.

Pressupõe efetiva a ocupação das terras pelos silvícolas. De modo que, na espécie – há evidente, vários problemas bem ressaltados pelo eminente relator -, entendo que o possuidor legitimado por títulos recebido do Estado, em priscas eras, não pode ser espoliado do fruto de seu trabalho sem indenização. Quando o civilizado invade o território indígena e se estabelece pela força, nesses casos, se há de aplicar os § § 1º e 2º do art. 198, mas não no caso do colonizador, do desbravador do País. Deixo, assim, isto bem claro, como avant prémiere do meu pensamento, porque não me deixo levar por um sentimentalismo mal orientado, que pode conduzir à atrofia do País, ou a inquietação rural, com resultados imprevisíveis.

De modo que, sem apreciar o merecimento da causa, não quero negar, e nem haveria como, que o Estado tem direitos de criar reservas indígenas, mas o próprio Estatuto do Índio prevê que não pode fazê-lo abruptamente sem pagamento, sem indenização dos titulares da terra, possuidores deste local” (MS nº 20.234 – Mato Grosso. Acórdão de 4.7.1980, Pleno – g. n.).

Mas, volvemos a demarcação das terras indígenas em faixa de fronteira prevista no art. 20, § 2º da Constituição Federal de 1988.

Prevê o referido § 2º do art. 20, que:

‘São bens da União:
(...)
Parágrafo 2º. A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para a defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei’.

Inicialmente, cumpre ressaltar que, a República Federativa do Brasil possui como um de seus fundamentos a sua soberania (CF, art. 1º, I), princípio basilar do Estado Democrático de Direito, que não admite sob qualquer justificação, afronta.

Reside aqui, maior razão para a audiência do Congresso Nacional, diante da localização da reserva indígena situar-se na faixa de fronteira. Essa faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, é considerada fundamental para a defesa do território nacional, e a sua ocupação e utilização, consoante o disposto no § 2º do art. 20 da Constituição Federal, obrigatoriamente deverá ser regulado em lei.

E quando o legislador constituinte diz que a ocupação e utilização da referida faixa de fronteira deve ser regulada em lei, significa dizer que determinadas matérias há de fazer-se necessária e obrigatoriamente através de lei formal. Estamos diante do princípio da reserva de lei, ou reserva legal.

Aliás, o prof. José Afonso da Silva, elucida a questão de forma irrepreensível. Senão vejamos:

Após diferenciar o princípio da legalidade e o da reserva de lei, no sentido de que o primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador; e o segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal, o e. constitucionalista complementa que:

É absoluta a reserva constitucional de lei quando a disciplina da matéria é reservada pela Constituição à lei, com exclusão, portanto, de qualquer outra fonte infralegal, o que ocorre quando ela emprega fórmulas como: ‘a lei regulará’, ‘a lei disporá’, ‘a lei complementar organizará’, ‘a lei criará’, ‘a lei poderá definir’ etc. (Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 24ª edição, revista e atualizada, 2005, pp. 423/424 - g. n.).

Portanto, quando a Constituição Federal prevê de forma clara e inequívoca que a ocupação e utilização da faixa de fronteira serão reguladas em lei, é porque [como dito] entende o legislador constituinte tratar-se, no caso, de matéria que por sua importância estratégica e interesse geral, é reservada à lei, excluindo, portanto, qualquer outra forma de disciplina.

Ora, a expressão contida na parte final do § 2º, do art. 20 da CF/88, ou seja:... sua ocupação e utilização serão reguladas em lei, não admite outra interpretação que não, àquela de que a ocupação e utilização de faixa de fronteira, serão reguladas em lei; LEI FORMAL, sujeita ao crivo do Congresso Nacional.

Aliás, importante destacar que em nenhum dos vinte e sete incisos contidos no art. 84 da CF/88, que trata das atribuições privativas do Presidente da República, existe competência para demarcar reservas indígenas.

Ademais, o art. 91, § 1º, III, da Constituição Federal determina que, “compete ao Conselho de Defesa Nacional: (...) propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo”;

Vê-se pois, que inobstante seja o Conselho de Defesa Nacional tão-somente órgão de consulta, sua participação torna-se indispensável, principalmente naquelas áreas ditas indispensáveis à segurança do território nacional, bem como também naquelas [áreas] relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais.

Não há dúvida, que os povos indígenas têm o direito sobre as terras por si tradicionalmente ocupadas, mas esse direito não é absoluto, posto que, sopesados com outros direitos; por exemplo, segurança nacional, àqueles [direitos indígenas] devem necessária e obrigatoriamente ceder a estes [soberania nacional].

Em conclusão, as reservas indígenas, quaisquer que sejam, devem necessariamente ser demarcadas através de lei federal, conforme preceitua o art. 22, XIV da CF/88, razão pela qual urge sejam revistas todas as demarcações efetuadas após o advento da Carta Cidadã de 1988. Com maior razão quando as reservas se situarem em faixa de fronteira.

(Fonte: jornal Folha de Boa Vista, de 19 de julho de 2008).

quarta-feira, julho 02, 2008

Índios e a fronteira de Roraima.

Índios, guardiões da fronteira?

Carlos Borges *

Alguns artigos (inclusive nesta coluna), argumentos de antropólogos e até de burocratas do governo têm afirmado ser os índios guardiões de nossas fronteiras, algumas vezes referindo-se ao caso específico da Raposa Serra do Sol. Por conta disso, o Brasil teria uma obrigação histórica com os índios, a ponto de ser legítima a dimensão das terras demarcadas ou requeridas para demarcação. O problema é que muitos julgam conhecer história sem ler história, e pensam que estão em condições de explicá-la a qualquer mortal, simplesmente por ter cursado um inofensivo curso de ciências sociais. Por trás de tudo isso está a idéia de tornar um ponto de vista tão habitual que ninguém estaria em condições de confrontá-lo. No entanto, as afirmações históricas que colimam são, em grande parte, invenções deles mesmos.

Em contexto assim, as palavras ditas sobrepõem-se aos fatos, tornando-se figuras de linguagem, metonímias que só geram caos mental. Afirmar que os indígenas do Vale do Rio Branco eram guardiões das fronteiras da região é desconhecer completamente a história, principalmente citando fontes históricas que, imagina-se, jamais foram lidas adequadamente.

Joaquim Nabuco, que fez a defesa do Brasil na questão Pirara, escreveu todo seu relatório em francês (em 18 volumes, fora os anexos), uma língua que dizia pensar melhor que em português. Praticamente compulsou todas as correspondências, reports e informações escritas sobre essa região, provenientes das administrações que melhor se sistematizaram depois do Diretório Pombalino, após uma época em que toda a Amazônia era objeto de invasões e incursões estrangeiras, com o fim único de justificar a legitimidade da ocupação portuguesa na região.

Os argumentos de Nabuco em suas memoires dizem que cada potencia colonial utilizava os índios de acordo com seus interesses na região. Os ingleses, por exemplo, argumentaram que a amizade entre Ajuricaba e os holandeses era uma prova de que eles estiveram por aqui bem antes dos portugueses, e que, portanto, eles, os ingleses, por serem herdeiros dos domínios daqueles, poderiam requerer direitos sobre a região do Tacutu e Rupununi, dada essa circunstância histórica. Os portugueses, por seu lado, teriam empreendido iniciativas no sentido de fixar os índios através de aldeamentos, que em nenhum momento foram bem sucedidos, daí a necessidade de impor-se através de fortificações e guarnições militares. Em nenhum momento houve adesão dos indígenas ao projeto colonial português, ao contrário, os índios resistiram, fugiram ou desertaram.

Os espanhóis também não agiam de outra forma: os estabelecimentos de missões lideradas por missionários capuchinhos da região que vai do Essequibo ao Orinoco tinham o interesse explícito de assegurar o domínio espanhol na região contra os holandeses, utilizando-se para isso os índios. É claro que subjacente a tais relações estava a disputa pela região, sendo as populações indígenas obstáculos para o sucesso da conquista, tendo de ser aldeadas, assimiladas e amansadas. Impossível, portanto, que os índios, num contexto de imposição de dominação colonial fossem os guardiões da fronteira. Nabuco jamais sustentou sua argumentação nessa direção.

Mais ainda se considerar o caso Pirara, que apareceu quando Robert Schomburgk, em 1941, convenceu o Governador do Demerara a enviar uma ordem para expulsar os brasileiros daquela região. O Inspetor Geral de Polícia, William Crichton, no cumprimento da missão trouxe uma carta ao Comandante Brasileiro de Fronteira, com ordem expressa de abandonar o Pirara, por ser um lugar ocupado por tribos independentes. Para Nabuco isso significava que a tribo de índios independentes reclamava a proteção da Grã-Bretanha contra o vilipêndio e iniqüidade portuguesas, argumento que inaugurou o litígio e o levou até 1904.

Jamais existiram os guardiões da fronteira nessa região, simplesmente porque os índios sempre foram joguetes das potenciais coloniais para assegurar a posse da região das guianas. Essa idéia, usada e abusada por muitos no contexto atual, é só um mecanismo ilusório do positivismo humanista rondoniano, nada mais que isso.

Em tempo: o Brasil não ganhou terras na Questão Pirara, perdeu sim, toda a região do Rupununi. Depois dos anos 30 do séc. XX, companhias de criação de gado estabelecidas nessa região, estimularam a movimentação de indígenas para o lado guianense; situação que se inverteu com o levante de 1969, em Lethen, e a política de proteção à região encetada por Forbes Burnhan, empurrando-os para o lado brasileiro. Mas esta é outra história.

* Professor adjunto da UERR

(Fonte: Jornal Folha de Boa Vista, de 02 de julho de 2008).